sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

UMA ENTREVISTA COM DEUS


      "Não sabem nada as pessoas que oram a deuses que não podem salvá-las, pessoas que fazem procissões, carregando as suas imagens de madeira". (Isaías 45:20)

                      UMA ENTREVISTA COM DEUS

      O sujeito puxou a cadeira e sentou-se. Era uma casa humilde e praticamente vazia. A cadeirinha de madeira e a mesa ficavam perto da janela. O outro sentou-se com seu copo de vinho na mão.
      -Então você é Deus? - perguntou o repórter ao que tomava o vinho.
      -É como vocês me chamam. Deus.
      -Sei. Fale aqui mais perto porque as pilhas estão meio fracas. Você fez o mundo em sete dias?
      -Não, em seis. No sétimo eu descansei.
      -Claro. Mas e aquela história da luz tão forte que impedia que as pessoas vissem o rosto de Deus... - antes que ele acabasse uma luz cegante invadiu tudo.
      O repórter cobriu os olhos com rapidez, mas a luz só durou uns segundos.
      -O suficiente para cegar, não? - disse Deus.
      -Sim, podia ter avisado! - reclamou esfregando os olhos - Mas você não usa a luz sempre por quê?
      -Porque enche o saco.
      -Fale aqui mais perto. Por que você fez a raça humana?
      -Ah, isso é uma pergunta filha da mãe! Eu fiz esse pessoalzinho aí só para me divertir, e vocês sabem disso! Eu adoro essa coisa de criar humanos e depois tentá-los, fazê-los sofrer, matá-los, é uma terapia. Maria diz que sou louco. Mas, afinal, quem não é?
      -Maria?
      -Maria, claro.
      -A santa?
      -É como vocês a chamam, né? Maria se diverte com essa história.
      -Ela é sua mulher?
      -A gente se gosta, saímos juntos, mas nada de papel, testemunhas, nada disso. Quando ela engravidou quase nos separamos. Aí ela acabou casando com aquele José, que assumiu o garoto. Aliás, garoto problemático, héin!
      -Jesus Cristo?
      -Esse mesmo. Cheio de si, se achando o grande messias. Acho que tinha algum complexo, sei lá. Eu sabia que aquela história de ser o cordeiro de Deus não ia dar em boa coisa, o garoto tinha aquele jeito de suicida, só podia dar no que deu. Depois disso Maria voltou para mim.
      -Então ele não era o filho predileto que você deu por amor?
      -Que filho predileto o quê! Foi um filho não planejado que acabou dando muito trabalho para mim e para ela. Mas já superamos isso. Só que como era meu filho, ele tinha certos poderes de cura e de milagres que usou para impressionar vocês humanos. E até hoje vocês alimentam essa história, que Deus o tenha... quero dizer, que Eu o tenha.
      -Muito interessante. Isso aí no copo é vinho?
      -É sim, quer provar?
      -Um pouco.
      -Pegue. Tome do seu copo.
      -No meu copo tem água.
      -Já não tem mais.
      -Ora! Água em vinho! Isso não é um truque de Jesus?
      -E você acha que ele herdou isso de quem? Papai Noel?
      -Sei - o repórter bebeu - É uma delícia.
      -Eu sou bom no que faço, modéstia à parte.
      -Maria está em casa?
      -Ela saiu cedo hoje. Foi olhar de perto uma vidraça onde fizeram uma caricatura dela. Maria é vaidosa demais! Ela não gostou nada dessa história. Disse-me que vai anotar num caderninho os nomes de todos que lá estiverem e dar um problema para cada um para ver se essa gente arruma o que fazer.
      -E Adão e Eva?
      -O que é que tem?
      -Como foi aquela história no paraíso?
      -Ah, eu me diverti bastante. Fiz os dois lá, peladões, à toa, e coloquei a serpente, o fruto proibido, armei o circo de modo que desse para ter alguma graça. Depois fiquei lá olhando os dois sucumbirem. Eu sou sádico, não é não? Eu podia ter dado poder a eles para não sucumbirem, para continuarem eternamente no Éden, mas eu sou implicante, cara! Quando fiz as regras de não poderem comer aquele fruto, eu já sabia o que aconteceria, é claro. Foi demais! Aquela serpente eu transformei num advogado. Um dos melhores que estão aí hoje, trabalha para o Fernandinho.
      -Quem é?
      -Ah, não! Nada de nomes.
      -E o casal?
      -O casal encheu meu saco. Joguei para fora do paraíso. Eles eram muito chatos, não faziam nada que prestasse, viviam lá medrosos, se cobrindo com aquelas folhinhas.
      -Procure falar mais perto, aqui.
      -O problema é com as pilhas? Então, que suas pilhas não acabem mais. Pronto.
      -Você as recarregou?
      -Eu as tornei eternas. Não se preocupe mais com elas.
      -Obrigado. Quantos anos você tem?
      -Não tenho. Nenhum. Esse tempinho de droga que vocês têm, eu não tenho.
      -Você nasceu? Como tudo começou?
      -Aí já são outros quinhentos, porque quando vocês me inventaram, nunca disseram nem como, nem quando, nem por quê.
      -Nós inventamos?
      -Vocês. Vocês inventaram um imbecil à toa, que se diverte olhando suas cretinas vidas vazias e lhes faz alguns favores em troca de algumas humilhações e orações. Este sou eu.
      -Então você não é Deus!
      -Está vendo? Malditos mortais. Não agüentam a verdade. Quando falo a verdade sou tudo, menos Deus. Agora, se sou o que vocês querem que eu seja, sou Pai, Salvador, Senhor, e sei lá mais o quê. Vamos parar com essa conversa fiada por aqui. Eu já enchi.
      -Eu também.
      -Então caia fora.
      -Mas não vou devolver as pilhas.


Priscilla Pereira Nunes

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